MENU

Fragmentos do Brasil: OIT, caminhoneiros e petroleiros

"Não está nada fácil compreender e explicar o Brasil", conclui assessoria em artigo.

Publicado: 04 Junho, 2018 - 13h10

Escrito por: José Eymard Loguercio, Fernanda Caldas Giorgi e Antonio Fernando Megale Lopes

.
notice
José Eymard Loguercio é assessor jurídico da Confetam/CUT

Não está nada fácil compreender e explicar o Brasil.

Comecemos pela paralisação dos caminhoneiros, que, em seu início, foi claramente impulsionada pelas empresas de transporte. Essa iniciativa empresarial permitiria, portanto, enquadrar o movimento no instituto jurídico do lockout, que é expressamente proibido (Lei nº 7.783/89). Não só no Brasil, mas nas mais diversas legislações mundo afora. Não se viu, no entanto, nenhuma iniciativa institucional para enfrentar a manifestação sob este fundamento.

A paralisação, porém, é mais extensa e complexa. Recortada por leituras, texturas e palavras de ordem das mais diversas. Na verdade, oculta e revela um país fora dos eixos. Com pautas pulverizadas, sem organização sindical definida, sem lideranças de lado a lado para celebrar acordos válidos. Faz-nos recordar das manifestações e protestos de 2013 e 2015.

Seria greve, então? A greve, ao contrário do lockout, está assegurada como direito fundamental na Constituição de 1988 e nas mais importantes normas internacionais. E qual tem sido o tratamento institucional dispensado aos movimentos grevistas no Brasil?

Os trabalhadores petroleiros também agora decidiram realizar greve. Em comunicado à população e à Petrobras disseram: “Os trabalhadores do Sistema Petrobrás iniciarão o movimento a partir do primeiro minuto de quarta-feira, 30 de maio, para baixar os preços do gás de cozinha e dos combustíveis, contra a privatização da empresa e pela saída imediata do presidente Pedro Parente”.

A greve é um direito fundamental coletivo, de exercício individual. Os trabalhadores, diante de sua deflagração, a ela aderem ou não! Apesar disso, antes mesmo de se iniciar o movimento, a Advocacia-Geral da União ingressou com Dissídio Coletivo de Greve (DCG) junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em análise prévia e monocrática, a Ministra Maria de Assis Calsing reconheceu a abusividade da greve e concedeu liminar para impedir a paralisação, impondo multa às entidades sindicais no valor diário de R$ 500 mil no caso de descumprimento.

A antissindicalidade judicial, presente quando da deflagração de movimentos grevistas, não é novidade no Brasil! Foi uma greve de petroleiros em 1995 que gerou uma das mais emblemáticas histórias do movimento sindical e do papel do Judiciário Trabalhista.

Após a imposição de multas bilionárias aos sindicatos e dispensa de inúmeros dirigentes sindicais, a Organização Internacional do Trabalho, acionada, posicionou-se recomendando que o Brasil adotasse providências.

O Caso nº 1.839 do Comitê de Liberdade Sindical da OIT  representou um marco na interpretação e aplicação do direito de greve no Brasil, impondo ao próprio TST, anos depois, ambiente de maior diálogo ante as greves nacionais. Mas parece que por um curto período.

Em 2013, na greve dos portuários direcionada contra Medida Provisória que alterava o sistema de trabalho nos portos, o TST já antecipara a abusividade por considerar “política” a greve . Essa greve, no entanto, acabou por ser mediada pela Casa Civil, encerrando o Dissídio Coletivo, afastadas multas e punições, sem decisão final de mérito.  

Os casos acima e seu contexto histórico deixam claro e evidente que a democracia é condição indispensável para a manifestação e solução de conflitos sociais. Somente no marco do Estado Social e Democrático de Direito, em que exista efetivo diálogo, com representação sindical, de um lado, e representação política, de outro, encontram-se soluções pacificadas, razoáveis e pacificadoras para quaisquer conflitos, em especial os trabalhistas.  

O coroamento do caleidoscópio brasileiro, nesses tempos imoderados em que vivemos, veio com a notícia de que o Brasil foi “convidado” a se apresentar frente ao Comitê de Aplicação de Normas da Conferência Internacional do Trabalho de 2018 para prestar esclarecimentos sobre o descumprimento de normas internacionais ocasionado pela “Reforma Trabalhista”. É uma imensa honraria passar pela peneira de 217 casos e integrar a chamada “lista curta” (ou “lista suja”) de apenas 24, especialmente quando um dos critérios de seleção é a gravidade da violação.

A denúncia de que a “Reforma Trabalhista” levaria o país a uma situação de degradação das relações coletivas e individuais do trabalho foi ignorada pelo Congresso Nacional e Governo durante a tramitação legislativa. Parte do Judiciário trabalhista alertou para o problema. Parte ignorou o problema e parte fez parte! O Supremo Tribunal Federal, na primeira oportunidade para examinar um item da “Reforma”, relativo ao acesso e ao pagamento das custas da Justiça do Trabalho, apesar de reconhecer inconstitucionalidade, dividiu-se entre avisão do Ministro Barroso, de aderência à lógica econômica, e a do Ministro Fachin, de prevalência da lógica constitucional, sem concluir o julgamento.

Como pudemos, em tão pouco tempo, voltar à “lista suja” da OIT, como se precisássemos, novamente, sermos lembrados de que somente nos marcos de um Estado Social e Democrático se constrói uma sociedade mais igualitária? E que sem esforço de igualdade, não há Democracia possível? E de que sem Democracia não há Direito, não há Justiça?

Nos fragmentos do Brasil, há história e valores essenciais para a reconstrução do Estado Social e Democrático de Direito, único ambiente, repita-se, em que se encontram soluções pacificadoras para os conflitos sociais e para garantir o direito e a dignidade de quem trabalha. É preciso escolher resgatá-los e aplicá-los conforme as normas constitucionais e os compromissos internacionais assumidos pelo país. A oposição é clara entre finanças e dignidade. A escolha é de todos.