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Governo quer limitar gastos públicos para canalizá-los para o sistema da dívida

Em audiência pública dos servidores municipais, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida afirmou que governo tem uma clara estratégia de transferência de renda pública para o setor financeiro

Publicado: 12 Julho, 2016 - 19h52

Escrito por: Confetam

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Faltaram assentos para acomodar a quantidade de servidores municipais de todo o Brasil que foram à Brasília, na manhã desta terça-feira (12/07), participar da audiência pública sobre "O mundo do trabalho: desemprego, aposentadoria e discriminação, com foco na justiça fiscal". Para não não perder o debate, promovido pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, os trabalhadores chegaram a organizar uma fila na entrada do auditório, o que motivou o senador Paulo Paim (PT/RS), presidente da comissão, a pedir que funcionários da Casa providenciassem mais cadeiras.

Sucesso de público, a audiência também foi vitoriosa em conteúdo. Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli fez uma explanação sobre a relação da dívida pública brasileira com os diversos projetos que tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de privatizar e reduzir direitos sociais, previdenciários e trabalhistas.

"A desculpa para aprovar o PL 257 é assegurar a manutenção da estabilidade econômica, o crescimento econômico e a sustentabilidade da dívida pública. Então, quem ainda não tinha percebido a relação desses projetos, inclusive da PEC 241, com a dívida é só ver a exposição de motivos das propostas. Tá lá", afirmou. Fattorelli explicou que o objetivo do governo ao defender os dois projetos é, respectivamente, limitar gastos com os servidores públicos e com investimentos em saúde para canalizar estes recursos para o sistema da dívida. 

A lógica do Robin Hood às avessas - de tirar dos pobres para dar aos ricos - justificaria o fato de o Brasil ser hoje a nona maior economia do mundo, a terceira maior reserva de petróleo do planeta, ter a maior reserva de água potável da Terra e a maior área agriculturável entre todos os países do globo terrestre e, contraditoriamente, ter 23,4% de sua população economicamente ativa vivendo com menos e um salário mínimo.

Cenário de escassez se muda com luta

"Eu vou lhe dizer: tem de ser muito incompetente para fazer com que um país com toda essa riqueza ainda tenha de lutar contra o desemprego e a miséria. Nossa realidade é de abundância, mas nosso cenário é de escassez. Mas cenário a gente rasga, a gente muda com a luta. E é por isso que estamos aqui", disse.

Para ilustar o paradoxo no qual um país rico está submerso em uma crise econômica, política, social e ética, a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida citou o exemplo das instituições financeiras do Brasil. Apesar de um contexto econômico aparentemente desfavorável, Maria Lúcia Fattorelli lembra que, no ano passado, os bancos tiveram lucros "escandalosos". 

"Em 2015, o lucro dos bancos aumentaram em mais de 20% em relação a 2014. Mas se toda a economia real caiu, de onde vem o crescimento do lucro dos bancos? Não existe mágica. É evidente que está havendo uma estratégia de transferência de renda para este setor e quem promove essa engrenagem é o sistema da dívida", enfatizou.

Fattorelli destacou que a conta do déficit público, estimado pelo desgoverno de Michel Temer em R$ 170 bilhões, é "fictícia". "Quando colocamos lado a lado todas as receitas e despesas federais de 2015, comparando os regimes de caixa, chegamos a conclusão de que não existe déficit. Em 2015, sobraram R$ 480 bilhões, quase meio trilhão. Onde foi parar esse dinheiro?", questionou. 

Origem da desigualdade

Como origem da desigualdade de renda, ela apontou o modelo tributário brasileiro, definido com um dos mais injustos do mundo não só pelo fato de os impostos serem cobrados diretamente sobre o consumo - quando o justo seria incidir majoritariamente sobre a renda, o patrimônio, as heranças, os latinfúndios, os lucros exorbitantes e as grandes fortunas -, mas principalmente por não combater e até incentivar a sonegação fiscal. 

"A carga tributária de 34% não é para todos. Para os trabalhadores, é muito maior. Um servidor público que ganha R$ 4 mil paga 27,5% de imposto de renda, mais 11% de Previdência. Só na fonte, ele já paga quase 40%, e ainda paga todos os tributos indiretos. Se tem carro, paga IPVA. Se tem casa, paga IPTU. Paga ICMS embutido no preço de tudo o que consome, paga Cofins. O miserável que compra um pacote de macarrão paga o mesmo tributo que um milionário", compara. 

Representando a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal (Confetam/CUT) na mesa de debates, a secretária-geral da entidade, Jucélia Vargas, apontou a luta pela justiça fiscal como prioritária. "Este é um tema que, mais do que nunca, nós dirigentes sindicais temos de nos apropriar. Esse debate tem de estar colocado na ordem do dia. Não é possível que, com tanta desigualdade, nós servidores ainda levemos a culpa como se fóssemos responsáveis pelas dívidas dos municípios e dos estados, enquanto observamos uma sonegação tão grande, facilitada pela própria legislação", criticou.

O exemplo da Confetam

Ela informou que a justiça fiscal foi escolhida como tema da Campanha Salarial 2016 dos Servidores Públicos Municipais e destacou que o debate pautou todas as mesas de negociação da categoria com os prefeitos em todo o Brasil. Jucélia enfatizou ainda que uma das principais bandeiras de luta da Confetam atualmente é a Reforma Tributária. 

Para ela, o movimento sindical, principalmente do setor público, precisa colocar a justiça fiscal na ordem do dia como uma maneira de pressionar o governo a repensar uma forma justa de tributação. "Eu deixo aqui o exemplo da Confetam, para que outras entidades realizem suas campanhas salariais a partir deste debate porque sem justiça fiscal não há desenvolvimento social", concluiu. 

Também integraram a mesa de debates da audiência pública a secretária nacional de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Graça Costa, e o diretor da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Pedro Armengol, secretário adjunto de Relações do Trabalho da CUT.