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Confetam/CUT divulga parecer jurídico sobre aumento dos professores e a LC 173/2020

Confira a íntegra do parecer da advogada Camilla Cândido sobre A possibilidade de aumento aos professores municipais quanto ao piso da educação e a vedação da Lei Complementar 173/2020

Publicado: 29 Janeiro, 2021 - 17h49

Escrito por: Confetam/CUT

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Parecer

Possibilidade de aumento aos professores e às professoras municipais – Piso da educação e a vedação da Lei Complementar nº 173/2020

Análise jurídica quanto à possibilidade de aumento aos professores e às professoras municipais, em especial quanto ao piso da educação e a vedação da LC nº 173/2020

1. Relatório

Consulta-nos a CONFETAM – Confederação Nacional dos Trabalhadores(as) no Serviço Público Municipal, por meio de sua Presidenta, Vilani Oliveira, sobre a possibilidade de aumento salarial dos professores e das professoras municipais diante as vedações da LC nº 173/2020.

Indaga sobre a possibilidade de atualização do piso nacional da educação em decorrência da referida norma.

2. Linhas Gerais sobre a Lei Complementar nº 173/2020

A Lei Complementar nº 173, publicada em 28 de maio de 2020, quando entrou em vigor, é oriunda do projeto aprovado pelo Senado Federal (PL nº 39/2020), denominado Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19), que altera a Lei de Responsabilidade Fiscal, flexibilizando-a para suspender pagamento de dívidas, reestruturar operações de crédito e transferir recursos por meio de auxílio financeiro.

Prevê transferência de aproximadamente R$ 60 bilhões da União para os Estados, Distrito Federal e Municípios, divididos em quatro parcelas.

Impõe também contrapartidas para recebimento do crédito, suspensão e renegociação das dívidas, quais sejam: a) renúncia a ações ajuizadas contra a União após 20 de março de 2020 e até 10 dias após a promulgação da referida lei, b) congelamento das despesas com pessoal com início em 28 de maio de 2020 até 31 de dezembro de 2021, c) vedação ao aumento das despesas obrigatórias, superior à inflação medida pelo IPCA-IBGE, desde que haja compensação com aumento de receita ou redução de despesa.

Amplia a aplicação da EC nº 95, conhecida como “Emenda do Teto de Gastos”, aos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Quanto ao congelamento das despesas com pessoal, a LC nº 173/2020 assim dispõe:

“Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:

I - conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública;”

Infere-se da leitura do dispositivo que novos reajustes estão vedados.

Em que pese aos questionamentos quanto à constitucionalidade da referida norma no Supremo Tribunal Federal, nas ADIs nºs 6.447, 6.450 e 6.442, a LC nº 173 permanece em vigor, sem qualquer alteração na sua aplicação.

No mesmo artigo, a LC excetua, do congelamento, todos os aumentos que decorrem de lei anterior, tais como as promoções e progressões previstas no estatuto do servidor público ou legislação municipal/estadual e o piso nacional da educação, previsto na Lei nº 11.738/2008, bem como qualquer outra legislação que possibilite aumento salarial, desde que publicada até 18/03/2020 (quando foi decretado o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia causada pela Covid-19 – Decreto Legislativo nº 06/2020).

3. Lei nº 11.738/2008 – Piso Nacional da Educação

Quanto ao piso nacional da educação, a Lei nº 11.738/2008 prevê:

Art. 5º O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009.

Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.

Art. 6º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar ou adequar seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério até 31 de dezembro de 2009, tendo em vista o cumprimento do piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, conforme disposto no parágrafo único do art. 206 da Constituição Federal.

De acordo com a CNTE, seguindo as diretrizes utilizadas nos anos anteriores, a expectativa para esse ano (2021) era de uma atualização do piso na ordem de 5,9%.

Ocorre que o Ministério da Educação editou a Portaria Interministerial nº 3, em 25 de novembro de 2020, que alterou os parâmetros operacionais do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

Para tal desiderato, modificou a Portaria Interministerial nº 4, de 27 de dezembro de 2019, para reduzir o valor anual mínimo nacional por aluno de R$ 3.643,16 para R$ 3.349,56:

Art. 1º A Portaria Interministerial MEC/ME nº 4, de 27 de dezembro de 2019, do Ministério da Educação - MEC e do Ministério da Economia - ME, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 2º O valor anual mínimo nacional por aluno, na forma prevista no art. 4º, §§ 1º e 2º, e no art. 15, inciso IV, da Lei nº 11.494, de 2007, fica definido em R$ 3.349,56 (três mil, trezentos e quarenta e nove reais e cinquenta e seis centavos), para o exercício."

Além do impacto no financiamento de todas as etapas e modalidades da educação básica, para a complementação da União ao orçamento dos Estados e Municípios, a Portaria congelará o valor do piso salarial profissional nacional, uma vez que, de acordo com o art. 5º da Lei nº 11.738/2008, o cálculo do piso está atrelado ao valor anual mínimo por aluno dos anos anteriores.

Observa-se que a medida é retroativa, o que implica a devolução das diferenças dos valores recebidos, muito provavelmente comprometidas, do orçamento de 2020, dos Estados e Municípios, e causará grave impacto nas finanças dos entes federados.

No Congresso Nacional, tramitam duas iniciativas de Projeto de Decreto Legislativo. O PDL nº 509/20202, de autoria do Deputado Rogério Correia, do Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais, e o PDL nº 522/20203 , do Senador Jaques Wagner, do Partido dos Trabalhadores da Bahia. Ambos visam sustar a Portaria Interministerial nº 3/2020. Destacam as justificativas:

PDL nº 509/2020

“As redes públicas de educação, principalmente os professores, ao longo desse ano promoveram um intenso processo de readequação escolar, buscando da melhor forma possível garantir o ano letivo e o devido processo de aprendizado aos estudantes, mesmo diante de uma situação completamente adversa devido a fragilidade histórica da educação pública brasileira.

Também em 2020, o Congresso Nacional reconhecendo a necessidade de garantir orçamento específico para o desenvolvimento da educação pública e a valorização dos profissionais da educação, aprovou com ampla maioria em agosto de 2020 a constitucionalização do Fundeb por meio da Emenda Constitucional nº 108. A Portaria Interministerial Nº 3, de novembro de 2020, está em contraposição a todo acúmulo dos debates realizados pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, desvalorizando o magistério e fragilizando ainda mais as redes públicas estaduais e municipais de ensino.”

PDL nº 522/2020

“Além disso, o governo federal insiste em se opor às proposições legislativas que buscam assegurar a função supletiva da União em matéria educacional, ou seja, assegurar que União preste o devido auxílio financeiro aos entes subnacionais para que possam mitigar os efeitos da queda de arrecadação e implementar medidas que possibilitem o acesso dos estudantes a atividades pedagógicas não presenciais. Faz-se importante destacar ainda que a Portaria Interministerial nº 3, de 25 de novembro de 2020, do Ministério da Educação e do Ministério da Economia, ao modificar intempestivamente o valor anual mínimo por aluno definido nacionalmente, com efeitos retroativos, atenta contra o planejamento público, a gestão eficiente dos recursos públicos e a previsibilidade orçamentária.”

Outro destaque contra a referida Portaria foi ofício encaminhado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação – CNTE pedindo esclarecimentos ao Ministro da Educação e representação ao Ministério Público Federal. A entidade esclarece que não há comprovação quanto à redução do custo-aluno:

“Na contramão da Portaria, estudos a partir dos dados oficiais de receitas do FUNDEB (veja abaixo), publicados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) – revelam crescimento da receita do FUNDEB entre novembro de 2019 e o mesmo mês de 2020 (data de publicação da Portaria Interministerial nº 3, de 2020), na ordem de 1,01% (já descontados os ajustes na complementação da União nos dois anos). Ao projetar a receita consolidada de dezembro de 2019 para o mesmo mês de 2020 (ainda pendente de informações pela STN), e considerando que as matrículas presenciais na educação básica pública reduziram 677.028, constata-se, facilmente, uma previsão de acréscimo do Custo Aluno 2020 em relação ao valor publicado na Portaria nº 4, de 27.12.2020, de 2,54%.”

4. Considerações Finais

Por fim, a Lei Complementar nº 173/2020, que congela qualquer aumento e reajustes dos servidores públicos, não se aplica às determinações legais anteriores ao Decreto Legislativo nº 06/2020, em 18 de março de 2020, tais como promoções, progressões e atualização do piso salarial.

No entanto, o piso salarial para o corrente ano foi congelado em decorrência da Portaria Interministerial nº 3/2020, que alterou o valor ano por aluno.

Existem medidas políticas em tramitação, PDL nº 509 e 522, assim como o acionamento do Ministério Público e até o momento da finalização desse documento não localizamos o ajuizamento de nenhuma ação judicial.

A Portaria viola a determinação constitucional de valorização dos profissionais de ensino, garantida no inciso V do art. 206 da CF/88, a Meta nº 17 do PNE, o art. 67 da Lei nº 9.394/96- LDB e a Lei nº 11.738/2008, que instituiu o Piso Nacional da Educação.

Ademais, em razão da pandemia causada pela Covid-19, das novas necessidades e do aumento da demanda sobre as escolas públicas, a medida não se mostra efetiva e carece de transparência, além de ir na contramão da EC nº 108, que tornou o Fundeb permanente e atribuiu à União uma maior participação.

Tendo em vista a violação ao orçamento, a importância da educação e os impactos que tal medida causa, recomendamos, também, a atuação política da entidade contra a Portaria Interministerial e o combate a tal medida via Poder Judiciário.

Brasília, 27 de janeiro de 2021.

Camilla Louise Galdino Cândido

OAB/DF nº 28.404