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ONU começa processo para impor regras à atuação das transnacionais

Brasil tem como desafio criar mecanismos para construir regras que serão obrigatórias às corporações e que respeitem os direitos humanos

Publicado: 07 Julho, 2014 - 00h00

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Agrotóxicos que contaminam água e até mesmo o leite materno, estragos ecológicos com o derramamento de petróleo e trabalho escravo e infantil. Esses são alguns exemplos de impactos negativos causados pelas transnacionais em diferentes países que demonstram a necessidade de regras para a atuação das empresas estrangeiras.
Dessa vez deu certo. Os movimentos social e sindical brasileiros comemoram nesta primeira quinzena de julho e já dialogam nos bastidores a decisão aprovada pela maioria dos países na 26ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH-ONU), de se criar um grupo intergovernamental com a proposta de construir um instrumento jurídico que obriga as empresas transnacionais a respeitarem os direitos humanos nos países em que estiverem estabelecidas.
A decisão ocorreu em Genebra, na Suíça, em debate realizado entre os dias 23 e 27 de junho. Foram 20 votos a favor, 14 contrários e 13 abstenções. A iniciativa conjunta na ONU partiu do Equador e da África do Sul, mas as ações globais de pressão ocorrem há muito tempo.
A proposta teve o apoio de pelo menos 610 organizações, dentre as quais a CUT, e 400 representantes de 95 países que já haviam aderido, em luta paralela, ao pedido de um tratado vinculante sobre as corporações e direitos humanos. Um dos exemplos é a Declaração Conjunta da Treaty Alliance (clique aqui), uma plataforma construída por organizações e movimentos sociais que começaram a trabalhar em conjunto no final de 2013 para promover campanhas sobre o tema.
A construção do regramento vem em boa hora, avalia João Felício, presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI) e secretário de Relações Internacionais da CUT, “pois sob o mantra de tornar nossas economias competitivas, os defensores dos Tratados de Livre Comércio (TLCs) advogam a redução de direitos sociais e trabalhistas”. Se a situação já era difícil, alerta Felício, “os TLCs representam a imposição dos interesses das transnacionais com impactos extremamente negativos para as nossas economias, que acabam sendo reduzidas à exportação de produtos primários e da mão de obra barata”.
Segundo o assessor da Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (Rebrip), Gonzalo Berron, essa conquista segue também com o objetivo de denunciar o que os movimentos chamam de <arquitetura da impunidade>. “Isso se refere aos acordos de livre comércio e investimento, às leis que foram alteradas para permitir a entrada de capital sem nenhuma obrigação às empresas, o mecanismo de julgar com favoritismo os processos entre os investidores e os Estados. Todo esse arcabouço de tratados para ampliar o leque de direitos das transnacionais é contra os direitos das pessoas, dos povos, dos direitos humanos”, explica o representante argentino.
O Brasil tem como desafio agora, afirma Berron, criar mecanismos de diálogo com a sociedade para construir regras que serão obrigatórias às corporações.
Países & empresas
O controle das terras, do território e dos recursos naturais são elementos centrais na disputa da geopolítica mundial. Essa era uma das afirmações que costumava fazer o ex-presidente Hugo Chávez, falecido há pouco mais de um ano, na intenção de desmascarar corporações que se apresentam como boas cidadãs dispostas ao diálogo, mas que por outro lado causam danos econômicos, políticos, sociais e ambientais até mesmo irreversíveis.
No encontro da ONU do último mês, a Venezuela foi um dos países, junto com a Rússia, China e Cuba, a aprovar a responsabilização jurídica das empresas. Por outro lado, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul foram contra a medida. Países latinos como o Brasil e a Argentina se abstiveram.
No Brasil, já sofreram julgamento empresas transnacionais como a Boehringer e Roche, do setor farmacêutico; a Syngenta Seeds, que produz transgênicos; a Unilever, fabricante de produtos de limpeza e alimentação; a Shell, do setor petrolífero e a Suez, do setor elétrico, entre outras.
No setor bancário, a categoria fez no último período Jornada Internacional de Lutas contra o banco Santander, que no primeiro trimestre desse ano teve lucro líquido de R$ 1,428 bilhão no Brasil. O Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, em protestos realizados na Avenida Paulista, tem cobrado melhores condições de trabalho que envolvem, entre outras questões, um modelo que não seja o de cobrança abusiva por metas.
A mobilização também exige o fim das demissões, pois enquanto o número de correntistas tem crescido, o de trabalhadores diminui. De março do ano passado para março deste ano houve uma baixa de 4.833 funcionários.
Agricultura paulista
O coordenador de Habitação da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf-Brasil-CUT), Elvio Motta, que também esteve em Genebra na sessão da ONU, diz ser “impossível olhar para o estado de São Paulo sem discutir a soberania alimentar, do território e a luta pela terra.”.
A afirmação do dirigente está pautada na informação de que o estado paulista é o principal produtor de cana-de-açúcar no Brasil e isso tem causado danos à agricultura familiar. Estudo da Rebrip/Repórter Brasil que será publicado em breve e que a redação da CUT/SP teve acesso, afirma que “a área plantada com cana e destinada à produção sucroalcooleira na safra 2014/2015 é estimada em 4.696.300 hectares em São Paulo, exatos 51,7% do total de áreas destinadas à produção sucroenergética do país”, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Para Motta, tudo o que dialogar contrário a uma política decente de reforma agrária e de distribuição de terras aos trabalhadores da agricultura familiar, aos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, está contra os direitos humanos. “Por isso, avaliamos como um avanço a construção de um acordo vinculante que cobre das transnacionais as atrocidades cometidas por elas nos países. Isso nos dá esperança de que seja possível estabelecer um limite às ações dessas empresas no Brasil e em todo o mundo”.
Fonte: CUT Nacional