Escrito por: CUT-RS

Querem adequar os direitos sem os sindicatos, afirma diretor técnico do Dieese

Clemente Ganz Lúcio alerta dirigentes para as profundas mudanças econômicas e políticas que estão impactando no movimento sindical.

REPRODUÇÃO
Clemente é diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

Em palestra na manhã desta terça-feira (27), no auditório lotado do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas (Sindipolo), em Porto Alegre, o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, alertou os dirigentes sindicais para as profundas mudanças em andamento na economia e na política, que estão impactando o movimento sindical. “Querem adequar os direitos sem os sindicatos”, destacou.

O economista observou que mudou o capitalismo no Brasil e no mundo e “os sindicatos estão sendo colocados fora do jogo”.  Ele apontou que “os nossos sindicatos estão se transformando em sindicatos de aposentados, os jovens não estão nos sindicatos e tanto o setor público como o setor privado está mudando”.

Para Clemente, “entender isso é fundamental para compreendermos a reforma trabalhista e a eleição do Bolsonaro. É urgente pensar um novo modelo de sindicato”.

Reestruturação produtiva no mundo

O dirigente do Dieese apontou que no novo capitalismo empresas tradicionais estão sendo adquiridas por fundos de investidores. “Comprar e vender empresas passa a ser um negócio”, explicou. Esse cenário está criando outra lógica, o que ele classificou de novos milionários, “que não são os donos do capital, mas os gestores desse capital”.

“A inovação tecnológica faz parte desta transformação, cujo objetivo é gerar resultados inimagináveis para os acionistas”, disse Clemente que também comparou o trabalho de mulheres e homens com os de máquinas (o robô não tem sindicato, não faz greve, trabalha 24 horas, não adoece e custa menos). “Há máquinas que já podem superar a inteligência humana”, alertou.

De acordo com ele, a crise de 2008 mostrou a fragilidade na reorganização do capitalismo e, por isso, essas transformações exigiram ajustes no mundo do trabalho em todas as áreas. Clemente chamou a atenção para “a capacidade de produção de energia de forma infinita e a mudança radical na comunicação”.

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Reformas trabalhistas

Ele disse que o mesmo ajuste está acontecendo na educação e na saúde, já que são inúmeros os hospitais e as escolas vendidas para grupos multinacionais. “O estado vai acabar contratando empresas privadas para fazer o serviço público. A legislação já liberou a terceirização em todas as atividades e será muito difícil fugirmos disso no futuro”, criticou.

O economista salientou também que as reformas trabalhistas, feitas em 110 países , retiraram direitos dos trabalhadores, dificultaram o acesso à Justiça e flexibilizaram contratos de trabalho, “Há países onde as empresas podem contratar para apenas uma hora de serviço por dia.”

O objetivo dessas reformas é baixar o custo do trabalho, flexibilizar direitos, reduzir passivo trabalhista e garantir segurança jurídica para as empresas. “A reforma trabalhista francesa foi feita por decreto, pois o presidente Emmanuel Macron não conseguia aprová-la no Congresso”, contou.

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O golpe de 2016 e o controle da democracia

Clemente destacou que isso é o que estava em jogo com o golpe de 2016 que derrubou a presidenta Dilma Rousseff (PT). “Não há outro país no mundo que tenha tantos recursos disponíveis para oferecer ao capital estrangeiro, como o nosso”, enfatizou o economista, citando petróleo, minérios, energia, terra e água potável.

“Nós somos um país que está sendo entregue. O Brasil é a maior oportunidade de entrega de ativos reais”, disse. Ele alertou que “a elite econômica está criando os seus próprios partidos e que empresas estão financiando líderes. Querem o estado mínimo do ponto de vista social, mas com igualdade de competição e concorrência no mundo”.

Segundo ele, é preciso olhar para essa mudança estrutural, que rompe paradigmas e cria uma nova realidade. “Considerando a imensa desigualdade do Brasil, essas alterações ocorrerão em ilhas. A grande massa de trabalhadores está hoje desprotegida, e os empregados nessas ilhas ainda vibraram com o fim do imposto sindical”, lamentou.

Aqui no Brasil, observou o diretor do Dieese, essa mudança estrutural acontece no mesmo momento em que ocorre uma alteração no sistema político. “O recado é claro. Não dá para acabar com a democracia, mas ela tem que entregar o resultado que eles querem. E o Judiciário está entregando esse resultado. Isso faz parte do processo da reestruturação e do controle da democracia”, denunciou.

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Inovar as formas de luta e resistência

Para o economista, os jovens que estão no mercado de trabalho terão que se organizar para fazer as negociações e fechar acordos. “Não há formação maior do que a vivência. Isso se chama descoberta da consciência de classe e os jovens terão que passar por isso. E nós teremos que inovar no movimento sindical e nos convencer que o novo sindicalismo será feito por quem está nesses novos postos de trabalho”, ressaltou.

Clemente apontou também que, assim como Portugal, a Espanha está passando por uma nova realidade política, a partir de um governo de centro-esquerda. Ele destacou que vários direitos retirados, como a valorização do salário mínimo e o reajuste das aposentadorias, estão sendo resgatados.

“Temos que repensar a nossa organização, criar um movimento para enfrentar essas mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo, e inovar as nossas formas de luta e resistência”, concluiu.

Atualizar o novo sindicalismo

Após a palestra, houve espaço para manifestações das centrais sindicais. O presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, foi o primeiro a falar. “Precisamos atualizar o novo sindicalismo”, apontou ao lembrar da construção da CUT em plena ditadura militar.

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Nespolo defendeu a mudança dos estatutos dos sindicatos com a criação de comissões sindicais de empresa para aumentar a representatividade, ampliar a sindicalização e reorganizar a pauta de reivindicações dos trabalhadores.

“Temos que aproximar as entidades e montar centros de referência sindical, como forma de responder à escassez de recursos financeiros e enfrentar esse momento difícil que estamos passando”, propôs.

O dirigente da CUT-RS defendeu ainda “a atualização da comunicação, que deve ser cada vez mais direta para organizar a nova classe trabalhadora”. Para ele, “tudo na vida é um ciclo, que não se encerra por osmose, mas pela correlação de forças”.