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Artigo

A precarização do trabalho e a violência contra as mulheres

Publicado: 26 Março, 2024 - 00h00 | Última modificação: 26 Março, 2024 - 12h06

O mês de março nos faz um chamado especial: intensificar nossas discussões sobre a condição e a luta das mulheres na sociedade atual. Sabemos que as desigualdades que nos atingem são históricas e que vêm se reproduzindo através dos tempos, desde o início da humanidade, mas sabemos também que igualmente antiga é a luta pelo fim da opressão que pesa sobre todas nós, seja em casa ou no trabalho, em todos os espaços da sociedade.

A pandemia expôs o tamanho da injustiça e da crueldade com o aumento dos casos de violência contra a mulher e de feminicídio. Segundo o 14° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 648 mulheres foram assassinadas no primeiro semestre de 2020, primeiro ano da pandemia de COVID 19. Comparando os dados de março e abril de 2019 e 2020, houve um aumento de 22,2%. A necessidade de isolamento social, confinou no mesmo espaço a vítima e o agressor e expôs, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, a gravidade do problema que muitas vezes é negligenciado pelas autoridades.

Embora tenha gerado uma sensibilização na sociedade, isso não representou uma mudança no quadro geral. É importante chamar a atenção para o fato de que o feminicídio é a etapa final de uma escalada de violência e agressões, numa cadeia que envolve agressão psicológica, moral, sexual até chegar à morte.

Mas a violência contra a mulher não se resume às agressões sofridas dentro de casa, há uma dinâmica social que coloca a mulher numa condição cada vez mais vulnerável. Uma delas é o mercado de trabalho. Anualmente o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulga os dados sobre a inserção feminina no mundo do trabalho. Este ano, considerando os dados de 2023 da Pnad Contínua do IBGE, o levantamento mostra que a população feminina acima de 14 anos era de 90,6 milhões. Dentre elas, 47,8 milhões estavam na força de trabalho, porém, 39,9% das ocupadas ganhavam até 1 salário mínimo, o que significa que parte significativa das mulheres no Brasil ganha menos de 1 salário mínimo, sendo que, entre as trabalhadoras negras, a situação é ainda pior, quase metade ganhava até esse valor (49,4%).

Esses dados revelam parte da violência, mas precisam ser analisados à luz das disparidades que as questões de gênero e de raça encontram no Brasil e que coloca as mulheres negras em último lugar quando se trata de renda, acesso aos postos mais qualificados, desemprego, informalidade, acesso à previdência entre outras questões.

No período em questão, a taxa de desocupação das mulheres caiu de 9,8% para 9,2%, enquanto a taxa de desocupação dos homens passou de 6,5% para 6,0%. No final de 2023, as mulheres representavam a maioria (54,3%) dos desocupados, sendo que, desse total, 35,5% eram negras e 18,9%, não negras. Em números absolutos, 2,865 milhões de mulheres negras estavam desocupadas, o que correspondia a uma taxa de desocupação de 11,1%, contra 7,0% de desocupação entre as trabalhadoras não negras.

O Dieese chama também a atenção para a dificuldade adicional que as mulheres vêm encontrando para retornar ao mercado de trabalho após o fim da pandemia. Isso se deve a uma outra questão que impacta diretamente na vida das trabalhadoras que são as responsabilidades com os cuidados, que recaem majoritariamente sobre elas, o que também foi evidenciado pela pandemia. A necessidade de cuidar dos filhos, maridos e outros familiares doentes e idosos geralmente recai sobre as mulheres. Muitas são afastadas do trabalho para assumir essas responsabilidades, geralmente sem remuneração. Isso pode explicar em partes a diferença nas taxas de desemprego.

Há também um outro contingente de trabalhadoras que são obrigadas a acumular as tarefas e que, além do trabalho e das responsabilidades domésticas, se veem na obrigação de se desdobrar para dar conta dos cuidados na família. Esse é um tema que vem sendo bastante discutido e que precisa avançar, pois o trabalho de cuidados deve ser encarado de fato como um trabalho e deve ser de responsabilidade de toda a sociedade pensar políticas e buscar meios que garantam que sejam incorporados de forma protegida, garantindo condições humanas e dignidade tanto para quem é cuidado quanto para quem cuida.

Por fim, o rendimento médio das mulheres continua menor do que o dos homens. Enquanto os trabalhadores tinham uma remuneração média de 3.323 reais, as mulheres ganhavam 22,3% a menos, com um rendimento médio mensal de 2.562 reais. Essa condição é ainda mais grave quando se trata de cargos de chefia: nos cargos de diretoras ou gerentes, a diferença salarial entre mulheres e homens era ainda maior: 29,5% no 4º trimestre de 2023.

Algumas iniciativas são motivo de esperança! Uma delas é a Convenção 190 da OIT que trata sobre a violência e o assédio no mundo do trabalho, especialmente a violência de gênero que afeta de maneira desproporcional as mulheres. Aprovada na Conferência Internacional do Trabalho em 2019, a convenção classifica a violência e o assédio como violação aos direitos humanos e estabelece medidas de prevenção e combate que devem ser adotadas por seus Estados membros.

No Brasil, em 8 de março de 2023, o presidente Lula encaminhou ao Congresso Nacional para ratificação os textos da Convenção 156 da OIT, sobre igualdade de oportunidades e de tratamento para os trabalhadores homens e mulheres (1981), e da Convenção 190 da OIT (2019). No mesmo despacho, foi enviado um projeto de lei de iniciativa do Executivo para dispor sobre a igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens no exercício da mesma função. O projeto foi aprovado no Senado e virou a Lei 14611/23, sancionada pelo presidente Lula em junho de 2023. São iniciativas importantíssimas que nos oferecem instrumentos poderosos na luta contra a injustiça e a violência!

A nossa organização é cada dia mais importante para continuarmos avançando em direção aos nossos direitos e à superação das enormes desigualdades sociais que crescem em todo o mundo, marcado por guerras, pelas mudanças climáticas e pela absurda concentração de renda. Nesse mês de março vamos recarregar nossas energias, alimentar os afetos que nos unem para ampliar nossa capacidade de ação para fazer as transformações necessárias.