Justiça fiscal: o caminho para a justiça social
Publicado: 04 Agosto, 2017 - 00h00
A crise econômica que se abateu sobre o mundo, em 2008, vem se desdobrando e acarretando grandes prejuízos para os trabalhadores e as camadas mais populares. No Brasil pós golpe, a situação vem se agravando celeremente, pois a principal medida do governo consiste no ajuste fiscal, que acarreta cortes substanciais em programas sociais e vinte anos de congelamento no orçamento público. Cortes em Programas como o Bolsa Família, o FIES, Minha Casa Minha Vida, por exemplo, trarão consequências drásticas na qualidade de vida da população de baixa renda e em nada contribuirá para o bom desempenho da retomada do crescimento.
Os apelos do governo ao equilíbrio orçamentário e à responsabilidade fiscal disfarçam o verdadeiro alvo da política neoliberal em curso: os direitos sociais assegurados na Constituição Federal de 1988, fruto da pressão popular por proteção social governamental. Paralelo às medidas de ajuste fiscal que penalizam a camada mais pobre da população, cresce a renúncia da tributação dos mais ricos e o enfraquecimento financeiro da Nação.
Sobre isto, Wolfgareg Streek, sociólogo alemão, afirma que “a crise financeira do Estado não se deve ao fato de a massa da população, induzida por um excesso de democracia, ter retirado demasiadamente para si, dos cofres públicos, como bradam as elites. Ao contrário, os maiores beneficiários da economia capitalista pagaram pouco, aliás cada vez menos aos cofres públicos. Se houve um déficit estrutural das finanças públicas, este registrou-se nas classes altas, cujos rendimentos e patrimônios aumentaram rapidamente nos últimos vinte anos, alimentados por benefícios tributários”.
O governo não tem disposição para enfrentar o problema de frente e adotar medidas para reduzir a injustiça do sistema tributário, um dos mais regressivos do mundo. A taxação das grandes fortunas, por exemplo, seria um bom começo, mas o governo aposta em administrar “remédios amargos” para a grande parcela da população.
A internacional de Serviços Públicos (ISP), federação mundial que representa vinte milhões de trabalhadores e trabalhadoras que prestam serviços em 154 países, vem debatendo ações pautadas na justiça fiscal como mecanismo capaz de combater a evasão de divisas, a corrupção e os paraísos fiscais, e promover uma igualdade social e serviços públicos de qualidade. Exemplo que vem estimulando outras organizações.
O Brasil tem o 7º maior fluxo ilícito, é o que afirma a GFI (Global Financial Integrity) ao avaliar que nos últimos anos manobras empresariais ilícitas tiraram, em média, cerca de 17 bilhões de dólares/ano do orçamento da União. Estas manobras ocorrem através do subfaturamento de exportação e superfaturamento de importados, promovendo a evasão de divisas e a sonegação. A primeira é um mecanismo usado pelos empresários brasileiros para transferir capital para o exterior ilicitamente, vendendo abaixo do preço de mercado, reduzindo o lucro que declaram no Brasil. A diferença é depositada em contas dos empresários no exterior. A segunda tem o mesmo objetivo: pagar por um produto importado, acima do valor de mercado, mantendo reservas financeiras em paraísos fiscais.
Mesmo diante de situações como estas, o governo brasileiro vem hesitando em enfrentar problemas relacionados a fuga de capitais e a saídas ilícitas de recursos do país. Portanto, combater a injustiça tributária é uma forma de assegurar recursos para que o Estado possa financiar serviços públicos de qualidade, assegurar os direitos dos servidores e propiciar um bom ambiente de trabalho, seguro, com qualidade e dotado de infraestrutura.
Dentro deste cenário de debate, cabe ainda fazermos um recorte para afirmarmos que a tributação não é neutra em relação ao gênero, raça, relações geracionais e classes, como nos fazem crer. Basta observarmos que nos últimos anos houve por parte do governo do PT um investimento em políticas públicas voltadas para os mais pobres, mulheres, jovens, negras e negros e, especialmente, para os trabalhadores e trabalhadoras. Segmentos que viviam à margem dos serviços públicos.
Tais investimentos asseguraram o empoderamento desses setores, promovendo justiça social e uma política de compensação dessas desigualdades. Infelizmente os projetos de ajuste fiscal, a Emenda 55, as reformas da Previdência e trabalhista levarão o país a um caminho de incertezas, retrocessos e aumentos abissais das desigualdades sociais que afetarão diretamente esses segmentos.
Segundo Paulo Gil, do Instituto de Justiça Fiscal, o sistema tributário brasileiro é injusto e expressa a luta de classes, estando a favor daqueles que têm mais força e o debate está calcado em mitos como o de que a carga tributária é alta. É necessário desconstruir essa narrativa, pois, no Brasil, quem paga mais impostos são os que ganham menos, ou seja, os mais pobres, os assalariados. São eles, trabalhadores e trabalhadoras, consumidores, os que menos reclamam e pagam a conta, uma vez que a maior parte da carga tributária está no consumo. Para esses, a carga tributária é pesadíssima, enquanto os empresários são premiados com isenções fiscais (somente registradas no Brasil e na Estônia) e baixa tributação nas grandes propriedades, nas fortunas e na renda.
Isso nos leva a afirmar a necessidade e urgência em desenvolvermos campanhas pela Reforma Tributária Progressiva, tributando mais aqueles que ganham mais e desonerando os que ganham menos. Um dos grandes desafios que estão postos nessa conjuntura para o movimento sindical é promover esse debate com os trabalhadores e trabalhadoras, romper com a pauta corporativista e incluir a temática permanente.
Esse debate vem ganhando corpo em diversos países e o saldo vem sendo a constituição de organizações não governamentais, fóruns, movimentos, campanhas em torno da temática, fazendo o esclarecimento, trazendo informações valiosas, propondo alterações na legislação tributária internacional e promovendo denúncias. Exemplos de ações assim são a Campanha Global por Justiça Fiscal, o Instituto de Justiça Fiscal, e a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que vêm desenvolvendo projetos que visam tributar as multinacionais como empresas únicas, frear a concorrência tributária, desenvolver um sistema de cooperação tributária internacional, aumentar os mecanismos de transparência, denunciar os paraísos fiscais e as empresas sonegadoras. Todas essas instituições vêm desenvolvendo uma luta essencial contra os paraísos fiscais e a evasão, pois entendem que essa não é uma questão apenas de moralidade, mas sobretudo de equidade social.
A expectativa dos envolvidos é que cresça cada vez mais a adesão à Campanha "QUE LAS TRANSNACIONALES PAGUEN LO JUSTO” e que a defesa de uma reforma tributária internacional, elaborada multilateralmente com a participação de todos os países envolvidos, possa adequar a legislação de forma a favorecer a justiça fiscal, reduzir as desigualdades sociais e promover um Estado mais justo para todos e todas. Esse pode ser o caminho para se promover, sobretudo, a justiça social.