Com discurso potente, Manuela D’ávila lança livro Revolução Laura em Fortaleza
Debate com a jornalista e ex-candidata à vice-presidência durou mais de 3 horas.
Publicado: 12 Abril, 2019 - 14h01
Escrito por: Rafael Mesquita/Vermelho
Com mais de 600 lugares, o auditório da Universidade do Parlamento Cearense (Unipace) ficou lotado na noite de ontem (10/04) para receber a jornalista e ex-candidata à vice-presidência Manuela D’ávila. Na primeira passagem por Fortaleza após as eleições de 2018, a liderança do PCdoB lançou o livro "Revolução Laura - Reflexões sobre maternidade e resistência".
Em mais de 3 horas de evento, Manuela se dedicou a autografar cada um dos mais 300 livros vendidos na oportunidade e a realizar um bate-papo descontraído e potente com o público. Embora conduzido com leveza, a discussão apostou em temas polêmicos, como violência política, machismo e desigualdade.
Para começar, a jornalista descreveu as dificuldades enfrentadas sobretudo nos últimos anos, onde o ódio de classe e contra a cidadania de mulheres, negros, LGBTI+s e pobres saiu das redes, tomou as ruas e ainda elegeu um presidente. "Eu vivi o ódio, a violência política, o machismo. Eu sou do Sul, o local que atiraram na caravana do Lula", falou, descrevendo o que chama de "hegemonia política cruel, antipovo e assassina" que se instalou no país e que já matou a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e seu motorista Anderson e que causou o auto-exílio do ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e da filósofa Márcia Tiburi.
Revolução Laura
Manuela D’ávila disse que sua obra literária é fruto de uma grande reflexão sobre as diferenças de "ser mulher na política" e "ser mulher e mãe na política". "Eu faço política desde os 22. Aos 37 me dei conta que, apesar de conhecer o machismo na política, eu não tinha a menor ideia do que era o machismo na política. A maternidade foi um soco na minha cara. O machismo enfrentado aqui era muito pior que aquilo tudo", disse ela ao explicar que todo o sistema de funcionamento do parlamento, por exemplo, é feito para homens.
De acordo com D’ávila, o fato é que os homens, quando pais, não tinham as responsabilidades que recaem sobre mães e trabalhadoras domésticas. "A reunião de liderança partidária era 12 horas, mas nesse horário eu tinha que pegar minha filha na escola", exemplificou. A ex-deputada, com passagens pela Câmara Federal e a Assembleia do Rio Grande do Sul, acredita que a nossa formação social patriarcal, que atribrui o lugar da mulher e o do homem na sociedade, garante que uma mulher ou uma empregada teria essa atribuição no lugar dos homens.
A jornalista narra que essas violências cotidianas, somadas às agressões morais sofridas, especialmente nas eleições de 2018, motivaram a escrita. "Eu decidi escrever porque sofro violência todos os dias. A Lola (Aronovich - professora e escritora) sabe bem o que eu digo", enfatizou ao relatar a perseguição e as ameaças que sobfreu na internet e a inundação das redes por informações fraudulentas a seu respeito. Ao mesmo tempo, os ataques revelaram um outro lado, conforme Manuela: "Mas também me deparei na eleição com mulheres que eram o oposto disso tudo que tomou conta do Brasil. Mulheres que discutiam a sua maternidade. Mulheres que se uniam", exemplifica.
D’ávila rebateu ainda o discurso que a pauta das mulheres é meramente um assunto identitário, ou uma demanda de grau inferior, avaliação, segundo ela, comum na política e até mesmo na esquerda. "Nós mulheres somos expulsas do espaço público. Os partidos, no geral, não são o PCdoB, que deu condições para eu circular com a minha filha. Se é pra ter igualdade, as mulheres que são mães precisam ter condições de estar nos espaços públicos", destaca.
Desigualdade brasileira, gênero e raça
Dando continuidade a este raciocínio, Manuela mergulhou na reflexão sobre a sociedade capitalista e a desigualdades que produz. "No Brasil, a desigualdade começa economicamente, se estrutura regionalmente, mas só isso não explica como a mulher negra ganha 63% do homem trabalhando num mesmo posto. A desigualdade brasileira se configura além de tudo racial e por gênero. Isso não é discurso identitário, é de classe sim. A transformação não vai acontecer sem a gente dizer que a questão de gênero é importante. Ela é muito importante, assim como a questão racial", falou, arrancado aplausos da plateia.
Ela acredita que é preciso compreender que a superação dos problemas nacionais, assim como as demandas dos povos oprimidos em todo o globo, passa por ter mulheres no espaço público e negros no poder. "Por isso que as mulheres são as mobilizadas neste momento no mundo, (...) porque a crise não afeita igual a todo mundo".
"Pior governo da história do Brasil"
Após construir sua análise sobre as demandas coletivas e as marcas de gênero e raça, Manuela teceu avaliação sobre o mandato do presidente de ultra-direira Jair Bolsonaro. "Nós vivemos o pior governo da história do Brasil", disse ao comparar o surgimento do nazifascismo com as medidas do atual mandatário. O fascismo alemão foi, segundo ela, um regime de poder onde o "capitalismo se manteve eliminando os indesejáveis", como as mulheres, judeus e gays. "Esse é o projeto pensado pro Brasil hoje", sentenciou.
Na sua avaliação, o país vive uma espécie de neocolonialismo, marcado pela subserviência do governante central ao capital internacional, sobretudo ao Estado Unidos. "A única coisa que ele (Bolsonaro) faz com perfeição. Quer dizer, ele não faz nada com perfeição, mas ao que ele se dedica mais é entregar o Brasil nas mãos de exploradores", ironiza.
Nessa perspectiva, pontua D’ávila, negros e negras continuariam sendo exterminados como política de estado. "Hoje é a classe trabalhadora o elemento a ser exterminado. Homens e mulheres. O que eles chamam de indústria 4.0 é o fim do trabalho pra todo mundo (...) Este é o capitalismo da morte. Escolhe quem vive e morte. Capitalismo necrófilo", sublinhou, ao mostrar que é preciso pensar em uma perspectiva em que o avanço tecnológico permita que os trabalhadores produzam, consumam e tenham tempo livre.
Mas foi com um otimismo militante que Manuela D’ávila encerrou seu discurso, falando de empatia, ou seja, "a ideia de que o outro tenha os mesmos direitos que eu tenho", assim como os ensinamentos de sua orientação religiosa, a cristã: "Não haja quem seja cristão que não seja revolucionário. Isso é o novo testamento, pai dos direitos humanos", finalizou.
Realização e participações
O evento foi organizado pelos deputados estaduais Augusta Brito (PCdoB-CE) e Carlos Felipe (PCdoB-CE) e teve o apoio Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce) e da Associação Cearense de Imprensa (ACI). A atividade foi prestigiada ainda pelo vice-presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Santana (PT-CE), além de demais lideranças políticas, sindicatos, movimentos sociais e entidades de defesa dos direitos.