Ao escrever esse texto procurei dialogar com as pessoas que em nossas reuniões, debates ou palestras perguntam: Por que a CUT apóia a legalização do aborto?
Ao fazerem essa pergunta, em geral, complementam: o que o aborto tem a ver com a luta dos trabalhadores?
Antes de responder a isso gostaria mencionar duas informações:
1) A legislação sobre aborto é o Código Penal de 1940, que o considera crime com pena de até três anos de reclusão.As exceções são para as situações de estupro e de risco de vida para a mulher. No entanto, nem nesses casos as mulheres são socorridas e quando isso ocorre, na maioria das vezes, são mal atendidas e vítimas de violência institucional.
2) O Brasil é um Estado é laico. Isso significa que não deve pautar suas ações por convicções morais ou religiosas, mas isso não é o que tem ocorrido. Tem havido pressão das igrejas para impeque haja avanços na legislação sobre aborto, e mais que isso, propor ações que implicam em retrocessos.
E a CUT? A CUT também é laica. Não expressa uma opinião religiosa, mas sim abriga trabalhadores e trabalhadoras de diferentes credos e ateus e atéias, na defesa de seus direitos enquanto classe.
A CUT, desde 1991, em seu IV Congresso Nacional, tem posição favorável à descriminalização e legalização do aborto por entender que ele afeta diretamente a vida de milhares de trabalhadoras. Além de ser uma questão de saúde pública, a legalização do aborto é também uma questão de classe, pois são as mulheres da classe trabalhadora as punidas e criminalizadas ao precisarem recorrer a um aborto na clandestinidade.
Explicando melhor:
Em primeiro lugar a CUT é uma organização que representa trabalhadores e trabalhadoras enquanto classe, por isso, necessariamente, precisa considerar que a classe trabalhadora tem dois sexos mulheres e homens;
Segundo, a prática do aborto é uma das principais causas da mortalidade materna. Milhares de mulheres anualmente buscam a interrupção da gravidez. Destas, muitas morrem. E, quando não morrem, por vezes essas mulheres acabam com seqüelas irreversíveis. Algumas colocam produto químico ou objeto metálico no útero para abortar. A chance de infecção e perfuração é muito grande, 1/3 de quem tenta abortar acaba procurando ajuda no hospital.
Terceiro, o ex - ministro da Saúde, José Gomes Temporão, declarou que o aborto é uma questão de saúde pública e não criminal e os dados confirmam isso: Além de ser um risco para a saúde de muitas mulheres, a ilegalidade também acarreta um alto custo para o sistema de saúde brasileiro. De acordo com estimativa da International Planned Parenthood Federation (IPPF), que atua em 170 países, o governo gasta cerca de R$ 35 milhões por ano com questões relacionadas a abortos inseguros.
Quarto, as mais afetadas são as pobres. Segundo pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UNB) boa parte das mulheres que realizam abortos é casada ou têm relações estáveis, têm idade entre 20 e 35 anos e são católicas. A criminalização não impede que ele seja realizado nem reduz sua incidência, mas aumenta as condições de risco de vida para as mulheres. Criminalizar a prática do aborto é uma forma de controlar a vida, o corpo e a sexualidade das mulheres.
A legislação restritiva em vigor hoje faz com que o aborto seja um problema quase exclusivo das classes menos favorecidas. Quem tem dinheiro faz com um médico seguro, mesmo que estas clinicas também sejam clandestinas, quem não tem vai para uma clínica de “fundo de quintal” ou parte para a auto-agressão.
Quinto, os métodos podem falhar e nem sempre são acessíveis. Pensem companheiros e companheiros, os serviços públicos de saúde não têm dado conta de atender nem aos caos emergenciais que batem a sua porta. Vocês acreditam, de fato, que esses serviços têm condições de promover planejamento familiar e fornecer métodos anticonceptivos? Sem falar nos machistas de plantão que não querem nem ouvir falar em preservativos. Além disso, os métodos podem falhar.
A lista seria grande, mas para finalizar gostaria de assinalar que as mulheres não fazem filho sozinhas, por que somente sobre nós recai o crime? Qual é a responsabilidade masculina nisso?
Por isso, para nós, mulheres da CUT, ao invés de perseguir e condenar as mulheres, é preciso reconhecer a existência do aborto, refletir sobre essa realidade e apresentar uma solução que garanta a prevenção, atendimento e o tratamento às mulheres que a ele necessitam recorrer. A condenação das mulheres que praticaram aborto, com certeza não é solução, ao contrário, aprofunda a diferença de tratamento entre ricas e pobres, e o consequente aumento de morte para estas últimas.
Os métodos contraceptivos falham e os serviços de planejamento familiar também, por isto o Estado, de forma solidária e criteriosa, deve garantir o direito ao aborto para todas as mulheres sem discriminação de raça ou classe.
Seguimos na luta pelo direito ao aborto como parte indissociável da luta das mulheres por uma vida com autonomia e igualdade em direitos e oportunidades. Sabemos que essa não é uma luta só das mulheres, mas da classe trabalhadora como um todo Para isso, precisamos de um movimento amplo, capaz de mobilizar e alterar a correlação de forças de nossa sociedade.
Por isso nesse 28 de setembro, dia Latinoamericano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto nós, como integrantes da Frente contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do aborto, nos somamos às companheiras de diferentes organizações e movimentos na coleta de assinaturas para o abaixo assinado em repúdio aos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional com a propostas de retirar das mulheres o direito de interromper uma gravidez que resulte de um estupro e retirar o direito das mulheres de interromper uma gestação de risco para salvar sua própria vida.
A Plataforma propõe a legalização do aborto para garantir a vida, os direitos e a autodeterminação reprodutiva às mulheres e apresenta ações e políticas necessárias para que as propostas sejam colocadas em prática de forma justa, respeitosa e em condições de igualdade para as mulheres.
Para aquelas que desejam ser mães o Estado deve assegurar condições econômicas e sociais, através de políticas públicas universais que garantam a assistência a gestação, parto e puerpério, assim como os cuidados necessários ao desenvolvimento pleno de uma criança: creche, escola, lazer e saúde.
Temos convicção que nenhuma delas busca o aborto como método contraceptivo de emergência. Mas aquelas que tiverem uma gravidez não planejada devem ser respeitadas na sua decisão de interrompê-la. A maternidade deve ser uma decisão livre e desejada e não uma obrigação das mulheres. O Estado deve garantir isso, sem que elas corram o risco de morrer ou irem para a cadeia. As mulheres que necessitam interromper uma gravidez indesejada devem ter assegurado o atendimento ao aborto legal e seguro no sistema público de saúde.
Nenhuma mulher deve ser perseguida, humilhada, condenada ou presa pela prática do aborto!
Escrito por: Rosane Silva, secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT
Fonte: CUT