Escrito por: Ludimar Rafanhim

Direito de greve: trabalhadores devem priorizar as negociações políticas de suas pautas

Em artigo, o advogado Ludimar Rafanhim reconhece que decisão do STF de descontar salários cria obstáculo ao direito de greve, mas, segundo ele, também fortalece a necessidade de negociação coletiva

Manoel Ramires
Ludimar Rafanhim é advogado

No dia 27 de outubro de 2016 foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário 693456/RJ, com repercussão geral reconhecida, e que trata de desconto dos vencimentos dos servidores públicos em razão da realização de greve.

A decisão tem causado grande inquietação entre advogados e dirigentes de entidades sindicais e servidores públicos como um todo. É preciso fazer uma análise mais cuidadosa para não fortalecer uma tese que pode mitigar em muito o direito de greve dos servidores públicos conquistado em 5 de outubro de 1988.

Ouso dizer que a decisão cria obstáculos ao direito de greve dos servidores públicos, mas fortalece a necessidade de negociação coletiva efetiva e regulamentação da Convenção 151 da OIT – Organização Internacional do Trabalho. Destaco que são interpretações preliminares e certamente outras virão para enriquecer o debate e aperfeiçoar os entendimentos.

Direito de greve

“O texto que garantiu o direito de greve foi aprovado pela Assembleia Constituinte no dia 18.08.1988, e com a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, pela primeira vez em nosso país a greve passava a se constituir uma garantia social do servidor público. Um avanço histórico, um marco que, aliado a outras garantias, também concedidas a tal categoria, tornou a vida funcional do servidor público mais protegida dos abusos administrativos que até então perduravam. A ideia de libertação do regime ditatorial se apresentou mais marcante na anistia, concedida pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a qual foi estendida aos servidores públicos civis e empregados públicos que tivessem sido punidos em virtude de participação em movimento grevista”.

Mesmo existindo restrições antes de 1988, os servidores organizavam-se em associações em todos os entes da Federação. Da mesma forma, greves eram realizadas por servidores públicos federais, estaduais e municipais, cada uma com sua diferenciada capacidade de organização.

O inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal consagrou o direito fundamental de greve aos servidores públicos:  “O direito de greve será exercido nos termos e limites definidos em lei específica”.

O texto de 1988 foi rapidamente cercado de algumas polêmicas dificultando inicialmente seu pleno exercício. Para Adilson Abreu Dallari, o inciso seria de eficácia limitada, portanto, o seu exercício dependia da nova norma.  Para Ele, “no caso em exame já existe um condicionamento no próprio texto constitucional. É como se a Constituição tivesse dito que reconhecerá e dará suporte, no futuro, a um direito de greve dos servidores públicos, que vier a ser definido pelo legislador complementar. Não há um direito restringível, mas uma norma condicionada ao implemento de uma condição, qual seja, a edição de lei complementar”.

A tese da norma com eficácia limitada constitui-se em fundamento para inibir o exercício do direito de greve dos servidores, declarando-se ilegais as greves por falta da lei complementar. O desconto dos vencimentos correspondentes aos dias das greves passou a ser uma consequência natural da interpretação restritiva ao direito.

A decisão do STF

Verifica-se que a recente decisão do Supremo Tribunal Federal consolida um entendimento que já vinha sendo adotado por juízes singulares, desembargadores monocraticamente, tribunais de justiça, tribunais regionais federais, Superior Tribunal De Justiça e até o próprio Supremo Tribunal Federal. Isso dificultou, mas não impediu que os servidores públicos realizassem suas greves.

Sobre a impossibilidade de descontos dos dias de greve se ela foi realizada em razão de conduta ilícita do Poder Público, já tinha decidido o STF nos mandados de injunção 670, 708 e 712. Atrasos no pagamento dos vencimentos, progressões e revisões gerais da remuneração previstas em lei parece-me que estão no rol das condutas ilícitas.

A decisão do STF na repercussão geral impõe alguns desafios e algumas constatações a nós advogados, dirigentes sindicais e servidores públicos que pensam sobre o tema e exercem o direito de greve.

A primeira e maior conclusão é de que a judicialização da greve e outros movimentos dos servidores públicos não interessa a esses trabalhadores, pois a chance de as decisões serem favoráveis ao Poder Público ganhou maior força.