Escrito por: ISP
Confetam/CUT subscreve documento apresentado ao final do Seminário Virtual promovido pela Internacional de Serviços Públicos na última terça (25) .
Somos milhões de profissionais e não queremos voltar ao antigo normal que historicamente não tem garantido boas condições de trabalho e, atualmente, agrava-se. Trabalhamos em diversos setores essenciais, tais como: saúde, previdência, assistência social, sistema prisional, ensino e pesquisa, judiciário, administração, funerárias e cemitérios, fisco e tributos, limpeza, asseio e conservação, água, energia e gás. Isso tudo no setor privado e público, abrangendo diversas categorias profissionais nas três esferas: municipal, estadual e federal.
Não paramos de trabalhar em meio à pandemia, pelo contrário, nosso trabalho aumentou muito, seja o presencial, seja o teletrabalho. A maioria de nós, em especial quem atua na área da saúde, esteve e está diretamente na frente de combate ao coronavírus, atendendo à população. Ademais, estamos mantendo, nos diversos setores de serviços essenciais, o funcionamento durante toda a pandemia para garantir que a população faça o isolamento social e se proteja. Porém, também precisamos e exigimos proteção adequada. Nossas vidas importam.
Em geral, antes da pandemia, já enfrentávamos dificuldades e não tínhamos a proteção ideal para exercer nossas funções de forma digna, porém agora, para travar a batalha contra a pandemia, a situação agravou-se e foi explicitada: infelizmente estamos desprotegidos e muitas mortes poderiam ter sido evitadas caso os investimentos, coordenação e planejamento públicos estivessem sendo objetos permanente de atenção e cuidado por parte dos poderes. Enfrentamos indicadores mais graves do que o resultado inerente à pandemia já traria,
O que causou esse dramático impacto na maior parte dos países da América Latina foi a política de corte de gastos, fruto do velho neoliberalismo privatista que vem sendo implementado há décadas com resultados avassaladores na destruição da soberania nacional e da cidadania. Na Argentina, caso de honrosa exceção, o atual governo obtém resultados muito mais positivos no combate à pandemia, justamente por mover-se na direção oposta ao desmonte das políticas públicas e do “austericídio’ fiscal.
No Brasil, após o golpe jurídico, parlamentar e midiático de 2016, amargarmos os impactos da aprovação da Emenda Constitucional 95 de 2016, que impôs o congelamento dos investimentos no setor público pelos próximos 20 anos. Só em 2019, em função dessa emenda, o SUS perdeu R$ 42,5 bilhões.
Empresas estatais vêm sendo toscamente privatizadas e multinacionais estão se apropriando de serviços essenciais e de natureza pública. Os exemplos mais contundentes estão na área da energia e saúde.
No setor de energia, várias empresas estatais foram ou vêm sendo privatizadas nos estados e os trabalhadores estão enfrentando demissões imotivadas bem em meio à pandemia. Em algumas delas, os executivos estrangeiros são contratados e retornam brevemente para seus países de origem, não sem antes fazerem cortes drásticos de pessoal sob o argumento de aumentar a produtividade, ironicamente são justamente essas que figuram na lista das empresas com mais reclamações dos consumidores. E o governo federal segue planejando a privatização da Eletrobrás, gestora da Eletronuclear. Essa, por sua vez, se houver respeito à nossa Constituição, não poderá ser submetida a exploração privada por tratar-se de energia nuclear, envolvendo aspectos de segurança e soberania nacional.
Na saúde, clínicas e hospitais vêm sendo comprados por grandes grupos de investimentos privados internacionais, em muitos casos ganhando a isenção ou redução de impostos, mas sem garantir a contrapartida social de respeito aos diretos trabalhistas e a manutenção dos empregos. Pelo contrário: cortam direitos trabalhistas. Enquanto vários países reestatizam ou remunicipalizam serviços, o Brasil vai na contramão e insiste na privatização.
A fatura desta conta não está recaindo somente sobre quem trabalha nesses setores, mas principalmente em quem mais deles precisa: a população, em especial a mais vulnerável, composta por negros, indígenas, mulheres, idosos, jovens e crianças, que precisam de atendimento e de serviços públicos de boa qualidade como o SUS - Sistema Único de Saúde, o Sistema Único de Assistência Social, a Educação, o acesso à agua, energia e gás entre outros serviços essenciais que promovem maior inclusão e equidade.
A parte da população que consegue adquirir um plano de saúde particular e crê que receberá um atendimento de boa qualidade, por ser um serviço pago e caro, está enganada. O funcionamento dos serviços privados tem sido afetado por más condições de trabalho: reina a precarização com profissionais enfrentando jornada extenuante, demissões e redução de pessoal, rebaixamento salarial, falta de equipamentos de proteção individual e insumos, assim como desrespeito aos direitos trabalhistas e grande omissão patronal, por exemplo, em emitir a CAT – Comunicado de Acidente de Trabalho, quando trabalhadores se contaminam.
E se não fosse a instância máxima de controle social do SUS - o Conselho Nacional de Saúde -exigir, os Planos de Saúde privados nem a obrigação de garantir testagem de COVID-19 para seus associados teriam.
As mazelas aqui relatadas são os resultados mais do que previsíveis de escolhas premeditadas, como, por exemplo, a Reforma Trabalhista. Nesse contexto, a liberdade de organização sindical está sob ameaça das várias medidas provisórias e Projetos de Lei que surgem sem diálogo social prévio e objetivam exterminar os sindicatos.
Somando-se à política de estrangulamento financeiro do setor público, aprofundada pela EC 95, sofremos ainda da injustiça fiscal. Os ricos não pagam imposto sobre os lucros e dividendos, privilégio que subtrai dos cofres públicos R$ 50 bilhões por ano. Há também o privilégio ilegal tolerado: a sonegação de impostos atinge ao menos R$ 500 bilhões por ano. Já em isenções fiscais, outra forma de privilégio subvencionada pelo poder público, o Brasil deixa de arrecadar R$ 300 bilhões. Estes números dão uma mostra de que há, sim, fontes de recursos para garantir financiamento a políticas públicas de qualidade e, desmentindo o falso discurso do governo federal e do Ministério da Economia, não é preciso impor maiores sacrifícios à população.
Não há saída individual e sem regulação pública para a crise social, econômica e política. Seus impactos negativos são coletivos e a solução também só poderá ser coletiva, tendo em sua centralidade o papel do Estado brasileiro.
Nada vai repor as vidas ceifadas. Precisamos mudar urgentemente este quadro, reconstruir os serviços, evitar novas perdas e seguir com nosso trabalho de forma que ele não se torne uma tortura diária, devido às más condições geradoras de alto sofrimento psíquico ou por serem locais inseguros e potenciais polos contaminadores à população. No pós-pandemia será necessário o oferecimento de serviços eficientes e ágeis para mitigar o impacto deixado nas condições de vida e nos atendimentos represados. Por isso, para nós, o novo normal exige condições decentes de trabalho.
No início da pandemia, foi lançada pela ISP, entidades filiadas e parceiras a pesquisa nacional da campanha internacional “Trabalhadoras e Trabalhadores Protegidos Salvam Vidas”, sendo a primeira pesquisa brasileira sobre condições de trabalho na saúde e demais serviços essenciais e obteve a participação de 3.636 respondentes. Os dados que obtivemos são preocupantes e têm subsidiado a luta sindical das entidades, as ações judiciais e as tentativas de negociação coletiva. Abaixo resumimos parte das informações recebidas.
75% de quem respondeu o questionário são mulheres,86% trabalham na saúde e 14% nos demais serviços essenciais. 34% cumprem uma jornada de 12 ou mais horas diárias e 36% trabalham oito horas por dia. Quanto ao fornecimento de EPIs - Equipamentos de Proteção Individual, 63% informaram que em seu local de trabalho não foi fornecido material suficiente para troca e higienização.
Quanto à capacitação técnica para atender pacientes com suspeita de coronavírus, pergunta elaborada especificamente para o setor saúde, 69% informaram que não. Quando essa pergunta é dirigida para trabalhadoras e trabalhadores dos demais serviços essenciais, 77% informa não ter tido treinamento adequado para desenvolver seu trabalho.
Essas condições de trabalho resultam em indicadores inquietantes sobre a saúde mental: 53% informaram estar no momento com algum sofrimento psíquico. O Indicador é maior em mulheres (57%) do que em homens (44%), porém são indicadores altos para ambos sexos. O maior sofrimento psíquico das mulheres nos permite inferir que essa situação é decorrente das desigualdades de gênero, na vida ou no trabalho, que impactam negativamente a vida das mulheres e se somam às várias formas de violência.
A pesquisa retrata ainda que a falta de EPI`s e de treinamento adequado para o enfrentamento da pandemia foram fatores que agravaram a situação, tanto no conjunto dos serviços essenciais quanto na saúde. Essa ausência de condições materiais foi identificada em praticamente todas as ocupações, com ênfase à falta de proteção para as mulheres e ao pessoal do grupo de risco acima de 60 anos. Sendo que quanto maior a jornada de trabalho e menor acesso à proteção mais sofrimento psíquico é constatado.
Os números doem. Só na saúde já perdemos 376 profissionais, segundo o Observatório da Enfermagem do COFEN – Conselho Federal de Enfermagem, sendo que 257.156 sofreram contaminação pela COVID-19. Somos os tristes e vergonhosos recordistas mundiais em mortes de profissionais de saúde e isso com grande subnotificação devido à falta de acesso amplo à testagem. E ainda temos a indelével marca de ter atingido 100 mil mortes no Brasil. No dia de hoje, são 115.319 mil mortes. O mundo volta os olhos para o Brasil e pergunta: até quando?
Vimos colegas de trabalho morrerem, vimos pessoas desesperadas em busca de um leito de UTI e de respiradores, vimos famílias destroçadas por suas perdas. Vimos centenas de covas serem abertas enquanto publicamente algumas autoridades desdenhavam dos impactos letais da pandemia. Não queremos e não vamos continuar trabalhando e vivendo desta forma.
Recebemos gratificantes e benvindos aplausos e nesse momento pedimos também o apoio da população para que medidas concretas de reconstrução dos serviços de saúde e essenciais sejam tomadas.
Temos propostas viáveis para avançar rumo a um Brasil mais justo e igualitário. E aqui apresentamos algumas ideias para o debate público:
Implementação de uma reforma tributária solidária e justa, pois 1% dos mais ricos concentram atualmente metade da renda do país. Queremos justiça fiscal onde os mais ricos paguem mais, o que necessariamente passa pela alteração do imposto de renda, ampliando a isenção para até 5 salários mínimos e aumentando a alíquota máxima para 32,7% para aqueles que recebem acima de 40 salários mínimos, assim como pela criação de impostos sobre o grande patrimônio e a taxação das grandes fortunas, somada à diminuição dos incentivos e isenções fiscais para grandes empresa, entre outras propostas.
Revogação da Proposta de Emenda Constitucional 95.
Reversão da política de privatizações do Governo Bolsonaro, valorizando trabalhadores e investindo em serviços de boa qualidade, inclusive nos municípios e estados, iniciando por reestatizações e remunicipalizações que recuperem e devolvam os serviços para a população.
Reivindicamos que a saúde, previdência, assistência social, sistema prisional, educação, ensino e pesquisa, judiciário, administração, funerárias e cemitérios, fisco e tributos, limpeza, asseio e conservação, água, energia e gás por serem de interesse e regulação pública tenham tratamento digno e democrático, independentemente da forma de contratação ser pública ou privada.
No setor privado, basta de demissões, abuso patronal e exigência de Metas inalcançáveis.
Exigimos o cumprimento das Convenções da Organização Internacional do Trabalho que garantem liberdade de organização sindical e espaços de negociação permanente.
Recuperação do SUS:
No orçamento 2021 na LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias:
Uso imediato dos créditos adicionais que foram aprovados recentemente para enfrentar a pandemia.
Emergencialmente estabelecer um piso de investimento para o SUS que incorpore para 2021 as verbas extras aprovadas no contexto da pandemia.
Retorno imediato dos R$ 22,5 bilhões que foram retirados do SUS em 2019.
Reverter a privatização da saúde que vem ocorrendo por meio da proliferação das Organizações Sociais de Direito Privado e das terceirizações que, sob o discurso da inovação, trazem a precarização do trabalho.
Reinstalação da MNNP-SUS – Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS, onde gestores e empregadores do setor público e privado negociavam temas afetos às relações de trabalho com as entidades sindicais.
Água é um direito, não é mercadoria:
Derrubada do Veto Presidencial ao artigo 16 do PL 14.026/2020 – que antecipa a entrega das empresas públicas de água e saneamento, assim como a revogação dos artigos inconstitucionais deste projeto.
Energia:
Barrar a privatização da Eletrobrás em tramitação no Congresso Nacional e recuperar as estatais privatizadas nos estados.
Proteger os trabalhadores e as trabalhadoras da saúde e de todos os serviços essenciais:
Acesso a Equipamentos de Proteção individual em quantidade suficiente para garantia de trabalho seguro.
Capacitação ampla e permanente para trabalhadores, com a adoção de protocolo de procedimentos condizente com as normas da OMS – Organização Mundial de Saúde de acordo com o exercício profissional específico para cada função.
Garantia de testagem para coronavírus e imediata emissão de CAT- Comunicação de Acidente de Trabalho, caso o resultado seja positivo.
Afastamento imediato de lactantes, gestantes, pessoas acima de 60 anos e que apresentem comorbidades;
Atendimento psicológico e acolhimento humanizado a profissionais que estão em sofrimento mental.
Redução da jornada de trabalho para no máximo 30 horas semanais.
Garantia de pausas para descanso e alimentação nas longas jornadas atuais.
Derrubada do Veto presidencial ao PL 1826/2020, que garante indenização para profissionais que estão na linha de frente de combate à pandemia que ficaram incapacitados.
Vacina para todos! Aprovação do Projeto de Lei 1.320/2020, que altera a lei de propriedade intelectual e garante a quebra automática de patentes quando há declaração de emergência de saúde pública por autoridade ou pela OMS - Organização Mundial de Saúde, garantindo a produção de medicamentos e vacinas.
E por fim, reivindicamos democracia, liberdade de organização sindical efetiva, mais Estado e mais políticas públicas para enfrentar a pobreza, o desemprego e o autoritarismo!
*Dedicamos esse Manifesto aos trabalhadores e trabalhadoras que perderam a vida no exercício de suas funções, atendendo à população em meio à pandemia e garantindo que os serviços de saúde e essenciais funcionassem.
É por elas, por eles e por nós que seguimos em luta e em defesa da vida do povo acima do lucro!
25 de agosto de 2020.
Assinam essa Carta, as seguintes entidades;
Apoiadoras
· FENAPSI - Federação Nacional dos Psicólogos
fenapsi@fenapsi.org.br
· FENAS – Federação Nacional dos Assistentes Sociais
diretoriafenas@gmail.com
· FMB - Federação Médica Brasileira
secretaria@portalfmb.org.br
· FNN – Federação Nacional dos Nutricionistas
mfuhro@gmail.com
· Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares
secretariamedicospopulares@gmail.com
· SINDSAÚDE - SC - Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Saúde Pública Estadual e Privado de Florianópolis e Região imprensasindsaudesc@gmail.com